Flávia Coelho, 10.11.2011 / 09:11
Estive em Porto Murtinho no Mato Grosso do Sul. Creio ser a cidade mais paraguaia do Brasil. O Rio Paraguai divide o município com o país da guarânia. Surpreendente a influência deles, nas rádios ouvem-se músicas em guarani, toma-se tereré (uma espécie de chimarrão gelado), bebida típica, e a cozinha tupiniquim incorporou vários pratos.
Os paraguaios atravessam diuturnamente o rio procurando tudo: emprego, moradia e assistência médica. Isso ocasiona um grave problema para o município, que mal consegue acudir os seus. Eles certamente cobram a fatura por ter perdido muito na guerra – a do século XIX e a de todos os dias.
A culinária paraguaia é substanciosa, come-se preferencialmente carne bovina. Peixes em seu cardápio são raros, apesar de não haver legislação coibindo a pesca no lado paraguaio em nenhuma época do ano. Sem contar que, quando ainda era piscoso o rio, eles simplesmente passavam a rede. Hoje, os habitantes de Porto Murtinho padecem com um rio sem peixes.
O milho e a mandioca servem de base para várias preparações na cozinha. Muito curiosa é a sopa paraguaia, que, ao contrário de todas as sopas do mundo, é sólida. Muito similar à pamonha assada dos goianos. A chipa encontrada em qualquer padaria é um biscoito apreciadíssimo na cidade. O locro é um ensopadão com tudo que se tem direito: carnes, legumes e canjica de milho.
O Brasil com suas dimensões continentais e riqueza cultural absorve os costumes de seus vizinhos, o que só enriquece o seu povo.
Receita da sopa pirata (epa, paraguaia!)
A continuação nossa resposta:
Recebemos de um leitor de nosso Blog (https://paraguaiteete.wordpress.com) um artigo sobre gastronomia, publicado pela senhora Flávia Coelho, no Blog do Demóstenes –http://migre.me/8aLeQ – em 10/11/2011, a autora descreve – com surpresas – a vida cotidiana da cidade sul-matogrossense de Porto Murtinho, às margens do Rio Paraguay, fronteira com o país irmão e vizinho.
Porto Murtinho fez 100 anos, fundada em 1911, em antigas terras paraguaias, 41 anos após o término do genocídio militar cometido pela Tríplice Aliança (1865-1870).
A senhora Flávia Coelho afirma que os paraguaios, ao cruzar o Rio Paraguay, que faz fronteira entre os dois países, “certamente cobram a fatura por ter perdido muito na guerra – a do século XIX e a de todos os dias.”
Primeiramente, ressaltamos que o Brasil e o Paraguay são dois povos irmãos que procuram superar suas dificuldades históricas de toda ordem. Os dois países não estão mais em guerra, por cotidiana que possa vir a ser a justa luta pela sobrevivência do povo irmão.
O que acontece nas fronteiras entre duas nações, em qualquer parte do planeta, desde que elas tenham culturas próprias, são as mútuas influências. E há uma busca do equilíbrio, pois são interdependentes, autoalimentadas, em seus movimentos permanentes de aceitação e recusa, difusão e criação.
No caso específico de Porto Murtinho, e de outras cidades, talvez a surpresa pela “Surpreendente a influência deles” esteja num dado histórico muito simples: “eles” chegaram primeiro.
Mas o notável fica por conta do arremate final da matéria, ao divulgar a receita da sopa paraguaia.
A autora do texto, ao tentar fazer uma graça, revela o preconceito profundo, enraizado no coração e mente de muitos brasileiros, independentemente de seu nível cultural, ao se referir à sopa paraguaia como “sopa pirata”. Isto não é surpreendente, mas muito pouco digno ao povo paraguaio. E inaceitável.
Tanto no Brasil como no Paraguai existem bandidos dedicados à pirataria. Aliás, o Brasil é considerado um dos maiores produtores mundiais da pirataria. No entanto, isso não dá direito a nenhum meio de comunicação estrangeiro a associar a nacionalidade brasileira com a pirataria. Não é politicamente correto associar o nome de um país a um problema social complexo de toda uma região, que nenhum governo conseguiu enfrentar com sucesso. Talvez, devido à mistura da ilegalidade com o poder político. Não só não é correto, é penalizado por lei.
Por quê? Bem, o blog do Núcleo Cultural Guarani Paraguai Teete procura dar uma resposta a esse tipo de manifestação, alertando para a necessidade de o brasileiro que assim pensa mudar a sua postura diante do vizinho e irmão e sua cultura.
Convidamos a Senhora a mudar o título de seu texto e a referência à pirataria.
Sabemos que não o fez por má fé. Há alguns anos vimos trabalhando o tema da equivocada relação do Paraguay com tudo o que é supostamente falso, e estamos atentos a estes tipos de imprecisões.
Pedimos a retirada de toda menção preconceituosa no material acima citado e continuaremos monitorando e protestando ante o uso pejorativo da nossa nacionalidade.
O Núcleo Cultural Guarani Paraguay Teete conta com uma equipe de colaboradores especializados para qualquer esclarecimento ou informação sobre a história e cultura do Paraguai. Assim nos colocamos à disposição caso haja necessidade.
Atenciosamente,
Núcleo Cultural Guarani Paraguay Teete
São Paulo, 6 de Março de 2012